A verdade por trás do novo aviso da steam

A verdade por trás do novo aviso da steam

Materia feita na data de 21/10/2024, Autor: Leonardo Silva

Desde a semana passada, podemos ver nas redes sociais, em blogs e sites sobre jogos que a Steam passou a colocar um aviso na tela do "Carrinho", que aparece depois de adicionarmos algum jogo para a compra. O conteúdo da mensagem é o seguinte: "A compra de um produto digital concede uma licença para o produto no Steam." e essa mensagem veio após o governador do estado americano da California, assinar uma lei que entrará em vigor no ano que vêm, em que empresas como a Steam, Epic e outras, vendem licenças de jogos, e não "vendam o jogo" em sí. Essa medida veio como uma resposta a polemica levantada pela Ubisoft, como o jogo "The Crew", quando a mesma, após retirar os servidores do jogo do ar, "revogou" a licença do game (alegação dos usuários).

Esse caso da Ubisoft, de fato, é bem polemico. Temos que lembrar que esse game era único e exclusivo em modo online e quase 10 anos após o seu lançamento, o número de jogadores já próximo da nulidade, e esse seria o único argumento que contaria a favor da empresa nesse caso, no entanto, existem outras formas da Ubi resolver essa situação para com seus clientes e revogar a licença do jogo, definitivamente não foi a melhor de todas. Foi como se a mesma tivesse varrido o problema para debaixo do tapete e achasse que estaria tudo bem para os usuário, mas contrariando esse pensamento ingenuo, a Ubi se mete, e meteu toda a industria de jogos digitais, num grande problema.

O que seria ter a propriedade do jogo?

Essa pergunta é bem obvia, mas dada a situação, ela precisa ser feita. Não tem como exemplificar melhor a noção de posse quando tratamos de algo físico, e quanto a jogos, melhor ainda é relacionar a posse aos antigos cartuchos ou CDs, onde quando você comprava, ou vinha os termos de posse do jogo escritos em papel, ou era algo intrínseco ao objeto, ou seja, você comprava e já entendia que podia usá-lo para jogar, que podia emprestar, vender ou até mesmo dar o item para outra pessoa, que o jogo iria continua funcionando normalmente. Sem precisar ler sobre o assunto, basta a resposta para a seguinte questão que já conseguimos entender o problema atual: Com os jogos em formato digital, você consegue fazer o mesmo? Pois é, apesar de algumas soluções, como o "Família Steam" onde é possível que 6 pessoas compartilhem suas bibliotecas, são funcionalidades que continuarão dependendo do consentimento da empresa, e que poderá ser revogada em algum momento.

Os antigos cartuchos eram sinônimo de posse. Não dependia de nenhuma plataforma para ser guardado, apenas do zelo do dono.
Os antigos cartuchos eram sinônimo de posse. Não dependia de nenhuma plataforma para ser guardado, apenas do zelo do dono.

Onde começou o problema?

Alguns podem não fazer a ligação, mas o cenário que vemos hoje foi desenhado para combater um dos principais inimigos da industria em geral, a pirataria. A pirataria sempre existiu, mas ela requeria maquinário que não estava a disposição tão fácil para o grande público. Foi com as mídias em CD/DVD e a popularização dos computadores, pela década de 90, que a pirataria em jogos ganharam um patamar nunca antes alcançado, só vindo a ser igualhado não muito tempo depois com a popularização da banda larga, na virada dos anos 90 para 2000, onde os jogos piratas eram baixados e instalados sem se quer a necessidade de comprar uma mídia virgem e gravar (lógico, no caso dos jogos para computador, que não exigia a obrigatoriedade da mídia, geralmente). Resumo, se no período do Playstation 1 (quinta geração), a pirataria comia solta, nas gerações seguintes, a briga se tornou injusta. Devemos acrescentar que isso não acontecia apenas com os jogos, mas sim com a industria da música, filmes e outros mais.

Os CDs da quinta geração foi o abrir das porteiras. Não que a pirataria não existisse antes, mas a popularização dos PCs e o custo muito barato desse tipo de mídia, levou a pirataria para outro patamar
Os CDs da quinta geração foi o abrir das porteiras. Não que a pirataria não existisse antes, mas a popularização dos PCs e o custo muito barato desse tipo de mídia, levou a pirataria para outro patamar

A solução encontrada contra a pirataria

Mídias digitais em geral sofreram bastante com a pirataria durante duas décadas, passando a ser uma prática "cultural". Com relação a música, já a tempo as pessoas reclamavam dos valores dos CDs e do fato de que muitas vezes apenas uma música interessava no meio de tantas e acabava não compensando. Baixa o CD em formato mp3, além de ser algo geralmente rápido de ser fazer, proporcionava ao ouvinte organizar sua playlist do jeito que queria e consumia pouco espaço de armazenamento além do fato do ouvinte não precisar sair de sua casa até loja de discos e, o que mais pesava, era "free". Com os filmes, a pirataria ficou tão braba que chegou o momento em que a compra de um DVD pirata era o mesmo valor de aluguel nas (agora) antigas locadoras, levando as mesmas ao fechamento. No caso dos jogos, geralmente eram bastante caros e as lojas não costumavam ter uma grande variedade, e talvez seja desnecessário acrescentar (mas já acrescentando) que as locadoras de jogos só se mantiveram de pé até a quinta / sexta geração de consoles, que era onde majoritariamente as mídias eram em CD / DVD começam a entrar. Após isso, as locadoras foram gradativamente deixando de alugar as mídias e funcionando apenas no modo do aluguel do console por tempo.

Depois de muitas perdas, esses mercados foram se recompondo usando a estratégia de streaming e o principal serviço a popularizar essa tecnologia foi a Netflix. Claro, a história desse tipo de serviço remota ainda os anos 90, e não foi a Netflix quem iniciou. A Netflix começa como um serviço que facitiva a locação de dvds, indo na casa do consumidor levar a midia física e recolhia quando o tempo de aluguel terminava, as vezes até levando outro que o cliente já tivesse escolhido. Depois a Netflix foi oferecendo serviços de assinatura, onde o cliente pagava apenas uma taxa mensal e continuava escolhendo seus os filmes, no mesmo esquema e sem pagar nada além. Com a velocidade de banda da internet ficando cada vez maior, em 2011, a Netflix passa a ir disponibilizando seus títulos de forma online para seus planos por assinatura. Com o tempo, esse serviço foi se consolidando por todo o mundo e o resto é lenda.

Netflix foi um dos primeiros modelos de negócio baseados em streaming a fazer sucesso
Netflix foi um dos primeiros modelos de negócio baseados em streaming a fazer sucesso

Com relação a filmes, o exemplo da Netflix é bem claro e fácil de entender, no contexto geral do nosso debate que é a POSSE. A forma com que se consome filmes é diferente de música e jogos, pois não assistimos o mesmo filme mais de uma vez ao dia, nem várias vezes por semana. A maioria das pessoas não ligam para a posse do filme e pra elas é muito melhor pagar mensalmente para ter um catálogo do que pegar aquele valor do mês da assinatura e comprar um DVD, que vai ser visto no momento da compra e a próxima vez, deus sabe quanto. Com as músicas aconteceu parecido, mas as causas foram diferentes. O ouvinte até gosta da posse, no entanto, a cultura do acesso facilitado foi fazendo com que cada vez mais o CD fosse perdendo espaço. O Spotify surgiu em 2006 e ao longo dos anos foi ganhando espaço e desbancando serviços grandes, tal como o ITunes. Ele consegue bater a pirataria no quesito "comodidade", pois facilita ainda mais o acesso a música, já que o usuário não precisa ir em sites diversos para baixar arquivo de procedência duvidosa para seu dispositivo, além de poupar espaço de armazenamento no dispositivo e poder também montar sua playlist do jeito que quiser. Como você pode notar, a solução Spotify não resolve o problema da posse, no entanto, o usuário aceita "abrir mão" da posse, pois na maioria das vezes, ele já não enxerga o "CD" como um "álbum" onde as fotos do encarte, as músicas, a ordens das músicas e tudo mais fazem parte de conceito.

E com os jogos, o que aconteceu?

Como deu pra notar, o problema é o mesmo e as soluções se deram quase no mesmo período, quase da mesma forma, e assim foi com os jogos também. O mercado foi percebendo que não dava apenas para continuar fazendo as coisas do mesmo jeito e contar com a boa vontade dos pretensos consumidores, mas que precisava remodelar os formatos de negócio, de forma que o consumidor tivesse a percepção de vantagem, de valor agregado nesse novo modelo. A Steam foi lançada por volta de 2002 com o intuito de poder dar atualizações e corrigir erros em jogos, primordialmente os da própria Valve, tais como Counter Strike, Team Fortress e outros, no entanto, a Valve foi verificando que a tendencia seria não só usar o aplicativo para dar suporte aos jogos mais também vender os jogos de forma online a medida que a velocidade de conexão dos usuário cada gradativamente aumentava. Claro que essa visão também chegou nos console, se dando de forma assertiva a partir da 7 geração, onde os serviços online, tanto do Xbox 360 quanto o do PS3 serviam tanto para a compra de jogos quanto para dar suporte as partidas online, mediante o pagamento de assinatura.

A Steam foi lançada inicialmente para dar suporte as atualizações e manutenção dos jogos da Valve
A Steam foi lançada inicialmente para dar suporte as atualizações e manutenção dos jogos da Valve

O grande diferencial desses serviços era a comodidade que eles davam em comprar os jogos sem sair de casa, com um catalogo cada vez mais vasto, e com facilidades de pagamento, e também a possibilidade de usar os recursos e partidas online, vantagem que geralmente o jogo pirata não dava. Em detrimento de deixar os jogos mais atrativos e dependentes das assinaturas, a sétima geração sempre tratava de embutir nos jogos, algum modo online, mesmo que fosse um "mata mata" bem fraquinho feito nas coxas.

O grande problema

Todas essas vantagens não acabaram com a pirataria, obviamente, mas tornava cada vez mais atrativo para boa parte dos jogadores optar por uma forma legalizada de obter seu jogo. No entanto, o problema da posse continuava, mesmo que nem todos percebessem. Os jogos em mídia física ainda eram vendidos, apesar de que a essa altura do campeonato, era muito difícil encontrar mídias do tipo para PC, mas, constituíam a forma mais prática de posse, enquanto as mídias digitais davam a praticidade de instalar o jogo com alguns cliques sem se preocupar onde guardar a caixinha com seu jogo. A grande questão que muitos ainda não percebiam, ou amenizavam, era que esse tipo de mídia, geralmente está vinculada a sua loja e a grande pergunta é: E quando essa loja online sair do ar, pra onde vai meu jogo?

Já ouve casos em que algo do tipo aconteceu, mas foram com consoles tidos como fracassos, tais como o Zeebo e o Ouya, que a loja saiu do ar e quem tinha jogos comprados nesses consoles ficou apenas com os que já estavam instalados mesmo. Isso faz com que possamos chegar numa conclusão obvia, simples e não muito agradável, na maioria dos caso, os jogos que foram adquiridos só irão ficar disponíveis enquanto suas lojas estiverem funcionando, ou enquanto a marca tiver um nome a zelar, e o exemplo desse último é a loja dos Xbox 360 que foi desativada recentemente, mas que ainda oferece métodos para que o usuário do 360 ainda possa fazer o download de seu jogos e jogá-los.

Zeebo, feito pela TecToy, só proporcionava a compra de jogos de modo online. Resultado: teve vida curta e quando a loja foi desativada, os usuário ficaram apenas com os jogos que já estavam no console.
Zeebo, feito pela TecToy, só proporcionava a compra de jogos de modo online. Resultado: teve vida curta e quando a loja foi desativada, os usuário ficaram apenas com os jogos que já estavam no console.
O Ouya foi uma grande promessa, principalmente para jogos independentes, mas que no fim das contas, sofreu do mesmo mal do Zeebo, mostrando o fracasso que pode ser mídia digital, quando a empresa perde a credibilidade.
O Ouya foi uma grande promessa, principalmente para jogos independentes, mas que no fim das contas, sofreu do mesmo mal do Zeebo, mostrando o fracasso que pode ser mídia digital, quando a empresa perde a credibilidade.

Certo, mas e quanto a mensagem da Steam?

Algo que está sendo noticiado, dando-se uma conotação de que ouve uma grande mudança nas normas da Steam é a mensagem que citamos no inicio da matéria, mas a mensagem em si não retrata nada além do que a Steam sempre fez, que e a venda de licenças. Por mais que PC e consoles sejam plataformas completamente diferentes, a forma com que a Steam aborda a disponibilidade de jogos é semelhante a dos consoles. Quando vamos ler a documentação da Steam, ela trata seus usuários com o termo "assinantes", a diferença básica é que pra ser um "assinante Steam" não é necessário pagar uma assinatura em si, como na Netflix que você paga um valor mensal, mas apenas ter instalado o aplicativo e ter uma conta Steam. Quando você "compra" o jogo, na verdade, você está comprando uma chave que te dá direitos DE USO. Se formos parar pra analisar, todos os produtos que compramos estão submetidos a algum tipo de licença, que te dão direitos e também restrições. Exemplo disso é que podemos achar em alguns DVDs, informações de proibição de exibição do conteúdo em público.

A mensagem é nova, mas o tipo de operação sempre foi o mesmo.
A mensagem é nova, mas o tipo de operação sempre foi o mesmo.

A mensagem em si não muda nada na politica que a Steam sempre adotou, talvez o problema é que ela não estava tão transparente, mas esteve sempre documentada. A realidade é que produtos digitais são cada vez mais delineados para permanecerem vinculados as suas plataformas e o conceito que tínhamos de posse não se aplica a esse tipo de produto. Você compra / assina algum produto que está aos cuidados de uma entidade e a mesma fica responsável por ele. Você não precisa mais se preocupar em como você vai guardar seu produto, se ele vai estar atualizado ou não, no entanto, e esse é o principal problema, temos que esperar que essa plataforma sempre esteja no ar, que não passe por dificuldades, ou mesmo que passe, que tenha a hombridade de arrumar uma alternativa para continuar a manter o acesso ou uma maneira de backup. De certa forma, isso faz parte do pacote que vem com a comodidade e aceitamos implicitamente, por não perceber.

O que a Steam ressalta, mais especificamente numa notícia de 26 de setembro desse ano é que houveram mudanças no acordo de assinatura do Steam, que no caso, afetariam principalmente como as disputas entre a Valve e usuários do Steam são resolvidas. Importante relembrar que o problema que aconteceu com o jogo "The Crew" é todo de responsabilidade da Ubisoft, que simplesmente retirou os servidores do ar, e principalmente, supostamente revogou as suas licenças, não tentou olhar para seus consumidores e achar uma solução em comum junto a eles.

E a GOG? Você Conhece?

De fato é uma situação complicada, "compramos" os itens, mas não os possuímos, não podemos fazer o que quisermos com eles. Compramos os itens mas estaremos com eles até o dia que a empresa suma com o item alegando alguma clausula escondida em alguma letrinha miuda, ou mesmo a própria empresa suma do mapa. Agora vamos abrir um parentese aqui para a GOG, que muitos já conhecem, alguns gostam, outros não curtem tanto, mas que é uma empresa que segue a mesma linha da Steam, com conquistas nos jogos, salve na nuvem e etc, tendo seu foco (mas não o catálogo inteiro) voltado para os jogos antigo. Daí vem o nome da empresa que significa "Good Old Game" - "Bom Jogo Velho". A GOG tem apenas jogo sem DRM (Digital Rights Management - Gestão de Direitos Digitais),o que implica dizer que nenhum de seus jogos tem mecanismo antipirataria, que na prática, deixam os jogos desnecessariamente mais pesados e propenço a "quebrar". Com essa política, a GOG consegue não apenas disponibilizar a instalação online pela internet, assim como a Steam e a Epic, mas também pode fornecer o instalador e a chave do jogo, para que o usuário faça o backup de jeito que achar melhor. Infelizmente, um dos problemas que vem com essa política que a GOG tem é que boa parte das desenvolvedoras atuais querem apenas desenvolver jogos que tenha a DRM e consequentemente ativação online. Exemplo disso é a Capcom, que possui pouquíssimos jogos na GOG sendo os últimos, o Bundle dos 3 primeiros games de Resident Evil, que foram versões encaminhadas pela GOG com o aval da Capcom. De qualquer forma, é muito válido dar uma chance para a GOG, que faz um trabalho bem feito e com dedicação.

Sem merchandising nem nada, apenas uma dica. Talvez você deva dar uma chance a GOG.
Sem merchandising nem nada, apenas uma dica. Talvez você deva dar uma chance a GOG.

Como esse cenário pode mudar?

De fato, é muito complicado a mudança desse cenário e só vamos sentir isso de fato como o passar dos anos, quando algumas dessas empresas as quais ficam responsáveis pelos produtos digitais que compramos começarem a debandar do mercado, por um motivo ou outro. Temos que considerar que o cenário atual levou tempo para ser construído e é um meio termo entre uma boa resposta a pirataria por parte das empresas e a comodidade e praticidade que o usuário ganhou. O ideal é que todas adotassem politicas como a GOG, e de fato, esse é o desafio que as mesmas deveriam estar se preparando para encarar, no entanto, acredito que esse ponto interessa muito mais os usuário que as empresas, então, talvez seja o momento dos mesmo começarem a falar com mais frequência sobre isso, iniciar debates, floadar fóruns de desenvolvedoras afim de abrir visibilidade para o assunto. É melhor fazer isso hoje, do que num futuro próximo, você acordar e aquela empresa que tanto pegou seu dinheiro suado, sumir do mapa.



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